Postura acadêmica, ser estudante universitário...

Abaixo, um texto de Neri p. Carneiro sobre ser estudante universitário. Creio ser oportuno pois Neri é filosofo, teologo e também historiador. Creio que pouco se discute sobre a postura - tanto em sala de aula, como fora dela - do estudante universitário. Vejo que poucos se dão conta que não mais estão no colégio, com saberes superficiais e, muitos, sem criticidade. Poucos sabem escutar/ouvir. Muitos não param de falar, achando (com "achismo' mesmo, aquele infundado, sem fundamentação nenhuma) que mais sabem que o professor. Claro que sabemos do olhar educador-educando, mas isso deve-se valer para todas as esferas. Lembro-me quando cursei pedagogia havia um termo muito comum: humildade acadêmica, para todos: docentes e discentes. O professor como mediador, não o colega ao lado que quer prestar atenção na aula - o que acaba gerando um enorme ruído, atrapalhando muitos em sala, não só a vitima ao lado. Há um artigo interessante também em http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/artigos_revistas/138.pdf 
Mas este é o barato da universidade, essa diversidade, e não tem relação com a idade e nem com a regionalidade! Maturidade se constroi, como estou a construir a minha, e como estamos a construir a nossa.
Sigamos em frente!

Por: NERI DE PAULA CARNEIRO
Em clima de começo de ano não é muito estranho que iniciemos uma conversa sobre uma temática recorrente: Trata-se do serestudante. E, particularmente do estudante universitário. O que vem a ser essa realidade tão falada e nem sempre entendida: o estudante? 

Vamos começar fazendo algumas ressalvas ao nosso tema. E começamos nos perguntando: devemos tratar do Ser Acadêmico ou do Ser Estudante? 

Nós nos acostumamos a dizer que aquela pessoa que venceu o monstro do vestibular e matriculou-se numa faculdade é acadêmico. 

Mas o que é isso que se convencionou como Acadêmico? 

Nas suas origens gregas a palavra se vincula a Platão que tinha uma escola denominada “Academia”, por se localizar num jardim dedicado ao herói “Academus”. Foi uma escola dinâmica tendo formado inúmeros pensadores. Um dos mais conhecidos foi Aristóteles. Na porta da academia de Platão havia uma placa: “Não entre se não for geômetra”. Note que embora fosse uma escola dinâmica, era, também, restritiva: restringia-se aos geômetras. 

Se olharmos para o dicionário (o Aurélio, por exemplo), veremos o seguinte: Acadêmico: “Diz-se do artista ou da obra de arte que se conserva presa às regras e ao gosto do academismo, numa concepção estética imobilizada, alheia às novas correntes de expressão”; e mais: “diz-se de manifestação artística ou cultural de um convencionalismo estreito, hostil a qualquer inovação” (Destacando que Academismo é uma ou corrente estética do século XVI que condenava as inovações e preconizava o retorno aos padrões clássicos da Antiguidade. Está, pois, inserida no contexto do Renascimento que, apesar de todas as inovações que produziu, neste caso produziu não um avanço, mas uma postura retroativa). 

Atualmente entendemos como acadêmico é aquele que está ou que pertence à academia. E aqui a coisa se complica: entre nós academia não tem uma conotação gostosa, bonita, jovial, inovadora. Não tem aquele som jovem, alegre, descontraído, comprometido, inquieto como quem está na constante busca de algo... ainda meio indefinido... Por isso acadêmico e academia, entre nós tem um ar meio rançoso e elitizado. Lembremo-nos da Academia Brasileira de Letras. Seus membros são até chamados de imortais. Mas nem sempre os melhores escritores são os membros da Academia Brasileira de Letras. 

Assim sendo nos parece que ao invés de acadêmico, aquele que se arrisca num curso em uma faculdade poderia ser mais bem descrito como estudante. 

Outra vez, precisamos nos socorrer com uma ajuda do “Aurélio”. Aí teremos a afirmação de que estudante é aquele que estuda. E o que é estudar? 

A lista do dicionário é enorme. E não é depreciativa: “aplicar a inteligência para aprender”; “dedicar-se à apreciação, análise, ou compreensão”; “freqüentar um curso”... estas acepções estão mais próximas de nós e do que fazemos. Quando somos integrantes disso que chamamos de “curso superior” estamos num ambiente em que um dos principais elementos é a BUSCA. Não é a toa que se fala do tripé da universidade: ensino, pesquisa e extensão. Sendo que a pesquisa é o ponto de origem das informações a serem ensinadas na sala de aula e a extensão um caminho pelo qual as inovações da pesquisa são levadas à população. 

Mesmo assim, podemos dizer que popularmente existem duas concepções sobre o ser estudante. Há dois “enfoques”: um meio maledicente que vê o estudante como um ser meio moleirão, matreiro, malandreante. Um ser meio indefinido que está ai só por estar, aparentemente descomprometido com seu curso e com a vida e, pior ainda, descomprometido com as questões sócio-político-econômicas do país, do estado, do município. 

A outra forma de visualizar o estudante é associando-o ao movimento estudantil. Ao histórico do movimento estudantil que mexeu com as bases da ditadura militar. Que apontou e que ainda hoje procura alternativas para a melhoria do sistema escolar de nosso país. Nesta visão a idéia que se forma sobre o ser estudante é de alguém que não está por estar, mas está inserido numa sociedade e num grupo que busca “algo a mais”. Aqui está presente a idéia de desenvolvimento pessoal e coletivo. 

Quando nos referimos ao estudante estamos me referindo à segunda concepção que também se aproxima do que está nos dicionários. Estudante, neste ponto de vista, é uma espécie de sinônimo de dinamicidade. É alguém que, contra todas as expectativas, ainda acredita que pode construir um mundo melhor a partir de seu crescimento pessoal. 

Vamos então, buscar algumas características do estudante, ou do ser estudante. 

E aqui entra mais um elemento. Gostaria de dizer que aquilo que caracteriza o estudante deveria ser aquela atitude de Sócrates: andar pelas ruas e praças em busca dos saberes, aprendendo na gratuidade do puro gosto e sabor do saber. 

Alias gostaria que essa fosse uma característica de nós todos: estudantes e professores. Gostaria que a nossa mais marcante e definitiva característica fosse a busca gratuita, dinâmica, constante do saber. Para que dissessem de nós o que se diz terem dito de Pitágoras: O rei Creonte teria perguntado a Pitágoras: “ouvi dizer que andas por aí como que a “Filosofar?” E Pitágoras teria respondido. “Sim, mas eu não sou o ‘sófos’ [sábio]; sou apenas um ‘Filo Sófos’ [amante do saber]”. Nossa postura deveria ser, também, essa de andar filosofando, mas com a consciência de que não somos sábios. 

Gostaria que todos nós assumíssemos a postura de Pitágoras: não somos Sábios, mas pessoas que vivem na busca da sabedoria. E com isso todos nós seriamos filósofos: aqueles que vivem, não pelo saber, mas pela busca do saber. Com a consciência de que é saber que move o mundo, pois o saber produz conhecimentos que produzem tudo aquilo de que necessitamos. 

Entretanto, dentro de nossa cultura, isso não é possível. Eu não seria honesto nem comigo nem com os estudantes. Nossa sociedade não mais vive pela busca do saber, mas pela vontade de ter; a essência perde espaço para a aparência. 

Portanto ao invés de falar daquilo que deveria ser, sobre o ideal, vamos comentar algumas características do real. Querendo, cada vez mais, estarmos preparados para sermos agentes no mundo e não simplesmente recebendo aquilo que o mundo e a sociedade nos impõem. Como estudantes concretos, e não ideais, estamos aqui em nosso processo de busca. 

Não nos esqueçamos que estamos inaugurando um novo século. E ele tem exigências que nem sempre estiveram presentes no cotidiano da humanidade. Daí que nos vem a questão: o que é Ser Estudante, nos dias atuais? 

Primeiramente não vamos nos prender ao ser como aquela categoria filosófica que remonta a Aristóteles. O que caracteriza o Ser Estudante, aqui para nós, são algumas atitudes que caracterizam o estudante; atitudes que lhe permitem transformar-se, diariamente, em alguém melhor. E para isso uma coisa é indispensável: ou seja, ser estudante. E o que é ser estudante? Ser alguém que estuda. 

Muita gente se matricula; freqüenta as aulas; muitos até tiram excelentes notas. Mas não são estudantes. Não são pessoas dispostas e querendo aprender, sempre e cada vez mais! Não estudam... passam pelo curso e recebem um diploma... mas permanecem fechados em seu mundinho: não procuram nem aceitam o novo nem os novos desafios. Não são estudantes, mas acomodados. 

Em segundo lugar podemos dizer que não é estudante aquele que vai apenas se fazer presente no ambiente da academia. Estudante se caracteriza pela atitude de quem é inconformado com o que está pronto; inconformado em busca das novidades; inconformado com aquilo que tem cheiro de coisa velha. Estudante quer novidade. E as novidades não nos procuram. Nós é que precisamos procurar por elas; correr atrás delas. Principalmente nos dias de hoje em que as novidades envelhecem muito rapidamente. 

Lembremo-nos da música, antiga, mas atual: “Mágoa de boiadeiro”, cantada por Pedro Bento e Zé da Estrada: No lamento do boiadeiro “que perdeu a profissão” há “saudade” e “solidão”. Por não se ter preparado para conviver com o progresso que é sempre portador de novidades, agora é vítima dele: “Por tudo isso eu lamento e confesso que a marcha do progresso é a minha grande dor / Cada jamanta que eu vejo carregada transportando uma boiada me aperta o coração” 

Além disso, o estudante valoriza aquilo que é tradicional. Pode parecer contraditório, mas não é. Tradicionais são aquelas realidades que se firmaram e afirmam, pela qualidade, ao longo dos tempos. É tão bom que não envelhece. Nada melhor, para ilustrar isto do que a música. Basta nos lembrarmos de quantos grupos musicais estouraram; fizeram o maior sucesso. Mas pouco tempo depois ninguém mais se lembra deles. São casos de música descartável com prazo de validade curto. Em contrapartida existem músicas tão boas que fizeram sucesso quando foram lançadas, foram regravadas e relançadas várias vezes: são tradicionais. Outro exemplo: a Bíblia é um escrito de pouco mais de 3 mil anos; os vedas, dos hindus, tem 5 mil anos... não envelhece! 

Com isso chegamos a uma quarta característica do estudante: alguém antenado no seu cotidiano e no mundo. Quem não está por dentro do que anda acontecendo, está fora. Não tem espaço no mundo estudantil e nem no mercado de trabalho. 

Há poucos dias ouvi de um próspero empresário de nossa região a seguinte afirmação: “nós nos acostumamos a ouvir que os últimos serão os primeiros. Mas não é verdade. No mundo dos negócios, os últimos serão descartados. Só tem espaço para os primeiros, os melhores” 

Cabe lembrar aquela história que é contada em treinamento empresarial, em que duas pessoas, passeando pela selva se defrontam com um leão faminto. Um dos dois se põe a correr e o outro, calmamente, calça um tênis de corrida. O primeiro argumenta; “você pensa que vai correr mais que o leão, com esse tênis?” E o outro: “Não preciso correr mais que o leão. Só tenho que correr mais que você”. O ambiente da competição é desumano. 

Isso nos leva à uma outra característica do estudante e do processo da vida acadêmica: preparação para o mercado de trabalho. Nas primeiras aulas os professores costumam perguntar aos alunos: por que vocês estão estudando? Resposta ensaiada: “para conseguir algo melhor”. Mas isso é pouco. Antes de conseguir “algo melhor” a pessoa tem que ser melhor. Tem que ser mais gente. O mercado de trabalho está repleto de bons profissionais, mas poucos têm a qualidade que mais se procura: gente! Gente que trabalha com o coração. No mercado de trabalho o espaço está aberto para quem tem além de capacidade racional, capacidade emocional. E os estudantes precisam desenvolver isso, também. Embora o ambiente seja tremendamente racional, ao estudante cabe desenvolver suas capacidades emocionais. “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”, dizia a raposa ao Pequeno Príncipe. 

Cabe mais uma característica. Estudante é solidário, amigo. Numa sociedade de individualistas e egoístas, tem espaço para quem se preocupa com o outro. É imprescindível se dar o trabalho de conhecer as pessoas, para criar laços. Lembremo-nos das palavras da raposa ao princepezinho: “A gente só conhece bem as coisas que cativou. [...]. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, as pessoas não têm mais amigos; se queres um amigo, cativa-me”. 

Vale a pena lembrar a história do ratinho que, desesperado, procurou a galinha, o porco e a vaca para avisar que havia uma ratoeira na sede da fazenda. Não lhe deram ouvidos. Mas ao ser armada a ratoeira prendeu uma cobra venenosa que picou a mulher do fazendeiro. Seu marido matou a galinha pra fazer ensopado para a esposa; como não sarou, matou o porco para alimentar os vizinhos que vinham visitar a enferma que acabou morrendo. Quando morreu, o fazendeiro matou a vaca para alimentar a todos. Só o ratinho permaneceu com vida. Tentou ser amigo, mas não encontro solidariedade. 

Além disso, o estudante precisa ter mais uma característica: ser leitor. Leitor atento, dos textos e do mundo. Nos textos buscará as informações que lhe permitirão crescer em sabedoria para ler o mundo. O mundo é um livro que precisa e deve ser decifrado. A linguagem dos livros precisa ser decifrada pela leitura cotidiana. A linguagem do mundo pode ser entendida pelo silêncio e pela proximidade: quem se faz próximo entende a linguagem do silêncio. Mais uma vez ouçamos as palavras da raposa, ao pequeno Príncipe: “eu te olharei com o canto dos olhos e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal entendidos”. Mas o leitor consegue perceber as nuances de cada situação. Se não perceber é por que ainda não aprendeu a ler. 

Isso nos leva a mais uma característica: a persistência e perseverança. Não se chega a lugar algum se não se colocar a caminho. É no caminhar que se superam as dificuldades. E, o que é mais importante. O homem não se faz pela facilidade, mas pelos problemas, pela superação das dificuldades. A humanidade chegou ao ponto em que está, não por que existiram condições favoráveis, mas porque não havia condições. 

Para ilustrar isso alguns versos da música “Até o Fim” do Engenheiros do Havaí: “Não vim até aqui /Pra desistir agora! Entendo você / Se você quiser ir embora... / Não vai ser a primeira vez / Nas últimas 24 horas / Mas eu não vim até aqui / Pra desistir agora!... / Minhas raízes estão no ar / Minha casa é qualquer lugar / Se depender de mim / Eu vou até o fim... / Voando sem instrumentos / Ao sabor do vento / Se depender de mim / Eu vou até o fim...” 

As características do estudante poderiam ir se sucedendo. Mas com essas podemos nos preparar. Não para a formatura, mas para entrar no mundo do estudo. Um mundo que só tem porta de entrada. 

Neri de Paula Carneiro 

Filósofo, Teólogo, Historiador 

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* Roteiro para palestra aos estudantes da FAP por ocasião da Semana Acadêmica 04/03/2008, publicado nos sites www.webartigos.com e www.artigonal.com. 

[1] Mestre em Educação pela UFMS. Especialista em Educação; Especialista em Didática do Ensino Superior; Especialista em Teologia; Professor de História e Filosofia na rede estadual, em Rolim de Moura – RO. Filósofo; Teólogo; Historiador; Professor de Filosofia e Ética na Faculdade de Pimenta Bueno (FAP). Jornalista e produtor e apresentador de programa radiofônico.

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